segunda-feira, 11 de novembro de 2019

A Regra Áurea e A Unidade das Religiões


A Regra Áurea e a Unidade das Religiões
Luis Henrique Beust Abril, 2014

Estamos acostumados a enxergar as religiões como entidades distintas entre si. Somos ensinados a ver mais diferenças do que semelhanças entre elas. E, em especial, aprendemos a considerar a nossa religião (ou a que pertence à nossa cultura) como a certa, a verdadeira, e todas as demais como simples fantasias, se não falsidades.

Entretanto, quando nos dispomos a estudar as diversas religiões mundiais sem preconceito e com uma abordagem ao mesmo tempo científica e compassiva, fica evidente que elas têm muito mais em comum do que se suspeita. Na verdade, elas aparecem como variações de um mesmo tema universal.
Todas as religiões reveladas se apoiam em cinco pilares bem evidentes: 1) o Criador, 2) Sua Criação, 3) o Amor do Criador por Suas Criaturas, 4) a Revelação do Criador às Criaturas e 5) Seus ensinamentos para que elas tenham a salvação.

A Revelação de Deus é sempre atribuída a um Intermediário, um Messias, um Profeta, um Avatar, um Manifestante de Deus. Os nomes de alguns d’Eles foram preservados pela História: Krishna (Hinduísmo), Moisés (Judaísmo), Zoroastro1 (Zoroastrismo), Buda (Budismo), Jesus Cristo (Cristianismo), Muhammad2 (Islamismo), o Báb (Fé Bábí) e Bahá’u’lláh (Fé Bahá’í), mas muitos foram esquecidos na milenar revolução das eras.

Em geral, os seguidores dos Fundadores de cada uma das religiões colocam o seu Profeta acima de todos os demais. Isto é um triste engano, que conduz ao preconceito e ao fanatismo. Todos os Profetas afirmaram ser enviados do mesmo e único Deus, para iluminar a humanidade com Suas palavras em cada era. São como professores distintos na mesma escola divina.

No cristianismo, encontramos algumas pessoas que se recusam a aceitar que Jesus tenha sido um Profeta. Elas O colocam acima dos demais Manifestantes de Deus e afirmam que a qualificação de “Profeta” não faz jus a Cristo. Entretanto, quem se recusa a aceitar Jesus como um Profeta está negando a própria Bíblia. Senão, vejamos: no Antigo Testamento, quando Moisés profetiza a vinda de Cristo, está escrito:
O Senhor teu Deus te despertará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu (Moisés); a ele ouvireis.  (Deuteronômio, 18:15. Todas as ênfases nas citações são minhas.)
No Novo Testamento, São Lucas, no Livro de Atos, confirma que esta profecia se refere a Cristo:
[...] Jesus Cristo, que já dantes vos foi pregado. [...] Porque Moisés disse: O Senhor vosso Deus levantará dentre vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudoquanto vos disser. [...] E todos os profetas, desde Samuel, todo quantos depois falaram, também anunciaram estes dias [de Jesus].  (Atos, 3:20-22)
Da mesma forma, no Evangelho de João, lemos:
Felipe encontrou Natanael, e disse-lhe: Havemos achado aquele de quem Moisés escreveu na lei, e os profetas: Jesus de Nazaré, filho de José.  (João 1:45)
Depois de ver o sinal miraculoso que Jesus tinha realizado, o povo começou a dizer: Sem dúvida é o profeta que deveria vir ao mundo.  (João 6:14)
É importante entender que ser “Profeta” não diminui a grandeza de Cristo, pelo contrário. Ao longo dos milênios, o título “Profeta “sempre foi reservado aos santos Manifestantes de Deus, os Intermediários entre o Criador e as criaturas.

Se nos dispusermos a investigar as semelhanças entre as diversas religiões mundiais, não será difícil perceber que os ensinamentos espirituais de todas elas são equivalentes, senão idênticos. Todas as religiões reveladas, sem exceção, ensinaram o amor. O amor a Deus e o amor ao próximo, acima de todas as coisas. E todas também ensinaram a bondade, a justiça, a veracidade, a compaixão, o perdão, a honestidade, a fidedignidade e todas as demais virtudes e valores morais.

Em uma maravilhosa passagem de sua primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 13, São Paulo expressa e imensa relevância insuperável do amor:
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
          O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha;
Nenhuma religião ensinou o ódio, o desamor, a mentira, a injustiça, a impiedade. Então, por que diferem? Bahá’u’lláh (1817-1892), o Fundador da Fé Bahá’í, ensinou que as religiões têm duas grandes dimensões: 1) a dimensão espiritual e 2) a dimensão social. 

Na dimensão espiritual, todas são iguais: todas ensinam o bem e condenam o mal; mas na dimensão social, os ensinamentos das religiões são adaptados à realidade histórica dos povos entre os quais nascem. Ou seja, as religiões atendem aos requisitos espirituais, sociais e culturais do povo e da época em que surgem. Os preceitos que variam entre elas são ensinamentos como jejum, divórcio, restrições alimentares, etc.

Segundo esta visão, as diversas religiões podem ser vistas como diferentes ilhas que na superfície da água parecem separadas, isoladas entre si, mas que no leito do oceano ou do lago estão todas unidas numa só fundação, um mesmo substrato. Bahá’u’lláh escreveu:
Sabe tu, seguramente, que a essência de todos os Profetas de Deus é uma e a mesma. Sua unidade é absoluta. Diz Deus, o Criador: Não há distinção alguma entre os Portadores de Minha Mensagem. Todos têm apenas um objetivo; seu segredo é o mesmo segredo. [...] É claro e evidente, pois, que qualquer aparente variação na intensidade de sua luz não é inerente à própria luz, mas sim deve ser atribuída à receptividade variável de um mundo que sempre muda.3
Bahá’u’lláh também compara a Religião à educação que as crianças recebem na escola, onde os diferentes Profetas podem ser encarados como os distintos professores incumbidos de transmitir o conhecimento adequado à idade e ao desenvolvimento dos alunos em cada ano escolar.
Todos os professores, apesar de distintos, têm um único propósito: fazer com que as crianças avancem no conhecimento e na sabedoria. A este processo Bahá’u’lláh chama de “Revelação Progressiva”, ou seja: Deus Se manifesta progressivamente, através de vários Enviados divinos, que fundam as diferentes religiões, conduzindo a humanidade a graus cada vez mais elevados de percepção, entendimento, espiritualidade e desenvolvimento social.

Assim, as diversas religiões são, na verdade, capítulos de uma única e mesma Religião, que vem educando os filhos dos homens desde a mais remota antiguidade, e que continuará a ser progressivamente ampliada e aprofundada até o fim que não tem fim, de acordo com os requisitos do tempo em que futuros Profetas virão.

Como demonstração desta unidade de ensinamentos na diversidade das religiões, podemos tomar a chamada “Regra Áurea” existente em todas as tradições espirituais da humanidade. Ela é entendida como o “santo dos santos”, a essência, o cerne, o núcleo fundamental dos ensinamentos de todas as religiões. E, ao longo dos milênios, com palavras distintas, ela sempre foi a mesma.

Hoje, no século XXI, é possível, com a perspectiva histórica e científica que o conhecimento atual proporciona, eliminar dos corações e das mentes humanas o preconceito e o ódio religioso. Certamente isso seria a mais digna manifestação da fé de um homem: seguir a Regra Áurea de sua religião de modo pleno, verdadeiro e universal e, assim, encontrar nos seguidores de todas as demais religiões irmãos na jornada misteriosa e inelutável em direção ao Criador.
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Ou Zaratustra. Zoroastro é a transliteração do nome através do nome persa para o latim, já Zaratustra provém da forma do nome em grego.
Grafamos o nome como Muhammad, e não Maomé, por respeito aos muçulmanos, que desgostam da forma aportuguesada.
Seleção dos Escritos de Bahá'u'lláh, XXXIV.




A Regra Áurea
Textos das Escrituras Sagradas da Humanidade


Hinduísmo (Krishna. Há 5.000 anos, Índia)
Não faças aos demais aquilo que não queres que seja feito a ti; e deseja também para o próximo aquilo que desejas e aspiras para ti mesmo. Essa é toda a Lei4, atenta bem para isso.                                     (Mahabharata, apud. Rost: 28; Campbell:52.
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No original, o termo empregado em sânscrito é Dharma. Dharma é um conceito complexo, que pode significar, conforme o sentido, a Lei, a Religião, a Doutrina, ou a Lei Natural, a Ordem Universal.





Judaísmo (Moisés. Há 3.400 anos, Egito-Palestina)

Não faças a outrem o que abominas que se faça a ti. Eis toda a Lei5. O resto
é comentário. (Talmud Babilônico-Hillel, apud. Schlesinger & Porto:26; Rost:69)  
Amarás o teu próximo como a ti mesmo.  (Levítico, 19:18)

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O termo empregado no original, Tora, como Dharma, pode ser traduzido por Lei, mas contém muitas outras nuanças, como Guia, Instrução, Ensinamento da Palavra de Deus.




Zoroastrismo (Zoroastro. Há 2.600 anos, Pérsia)
Aquilo que é bom para qualquer um e para todos, para quem quer que seja – isso é bom para mim... O que julgo bom para mim mesmo, deverei desejar para todos. Só a Lei Universal é verdadeira Lei.  (Gathas, apud. Rost:56)





Budismo (Buda. Há 2.500 anos, Nepal-Índia)
Todos temem o sofrimento, e todos amam a vida. Recorda que tu também és igual a todos; faze de ti próprio a medida dos demais e, assim, abstém-te de causar-lhes dor.                                                                                       (Dhammapada, apud. Rost:39)





Cristianismo (Jesus Cristo, há 2.000 anos, Palestina)

Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a  eles, porque isto é a Lei e os Profetas.  (Mateus 7:12)






Tradição Iorubá (Há 1.200 anos, África)6
Sempre que alguém partir um galho na floresta, deve pensar como se sentiria se ele próprio fosse o galho que está sendo partido. Apud. Rost, p.21
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A tradição iorubá veio à América com os escravos tão criminosamente arrancados de suas raízes na África a partir do século séculos XVI. Os iorubás vivem principalmente no sudoeste da Nigéria, sudeste do Benin e em menor número nas regiões do centro-sul do Togo. Sua religião é rica em lendas, com função de normatizar o comportamento pessoal e coletivo.



Islamismo (Muhammad. Há 1.400 anos, Arábia)
Nenhum de vós é um verdadeiro crente a menos que deseje para seu
irmão aquilo que deseja para si mesmo.  (Hadith, apud. Rost:103; Campbell:54)





Fé Bahá’í (Bahá’u’lláh. Há 170 anos, Pérsia-Palestina)
Ó filho do homem! ... se teus olhos estiverem volvidos para a justiça,
escolhe tu para teu próximo o que para ti próprio escolhes. Bem-aventurado
quem prefere seu irmão a si próprio... tal homem figura entre o povo de Bahá.                                                                  (Palavras do Paraíso: Terceira e Décima Folhas do Paraíso)
         Não ponhais sobre nenhuma alma uma carga da qual vós não desejaríeis ser incumbidos, nem desejeis para pessoa alguma as coisas que não desejaríeis para vós mesmos. É este Meu melhor conselho a vós, fôsseis apenas observá-lo.
                                                                  (Seleção dos Escritos de Bahá’ulláh, LXVI)




BIBLIOGRAFIA:
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https://www.biblegateway.com/. 12/3/15
BÍBLIA [2013] Tradução de João Ferreira de Almeida, Século XXI. Terceira edição, 2013,

reimpressão 2017. São Paulo: Vida Nova, 2013.
BAHÁ’U’LLÁH [1977]. Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh. Rio de Janeiro: Ed. Bahá’í do

Brasil,1977.
BOYCE, Mary [1997], editor and translator. Textual Sources for the Study of Zoroastrianism. Chicago: University of Chicago Press, 1997.
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Books, 1969.
__________________ [1969]. Buddha and the Gospel of Buddhism. New York: University Books, 1969.
DUCHESNE-GUILLEMIN, Jacques [1952], translator. The Hymns of Zarathustra. Translated from the French by Mrs. M. Henning. 1st ed. London: John Murray, 1952.
GALILEI, Galileu [1988]. Ciência e Fé – Cartas de Galileu Sobre a Questão Religiosa. Tradução de Carlos Arthur R. do Nascimento. Primeira Edição. Rio de Janeiro: Nova Stella, 1988. Coleção Clássicos da Ciência.
ROST, H.T.D. [1986]. The Golden Rule: A Universal Ethic. Oxford: George Ronald, 1986. SCHLESINGER, [1984] Dr. Hugo e Porto, Pe. Humberto. Pensamentos e Mensagens Religiosas. São
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NOVAK, Philip [1994]. The World’s Wisdom – Sacred Texts of the World’s Religions. New York: HarperSanFrancisco, 1994.
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THE KORAN [1983] Rodwell’s Translation [1983]. Translated from the Arabic by J. M. Rodwell. Introduction by G. Margoliouth. London: Everyman’s Library, 1983.
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THE QUR’AN. Fourty + translations. Em inglês: https://www.islamawakened.com/index.php/qur-an/translation-list. 10/12/2018.

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